O Afrofuturismo na Música Brasileira

Letícia Caldeira

Ainda que sutilmente, as referências ao movimento afrofuturista aparecem no cenário musical brasileiro através de nomes como Naná Vasconcelos e Ellen Oléria. Caracterizado por mesclar percussões e sintetizadores, o afrofuturismo na música resgata raízes africanas – adicionado ao frescor dos tempos digitais. O culto à ancestralidade se diversifica ao dar espaço a estilos marginalizados como rap, funk e hip-hop, onde também são incorporados elementos do jazz e soul.

“Minha cabeça tá muito no futuro”

O maior nome da música afrofuturista brasileira é o pernambucano Naná Vasconcelos. O músico que faleceu na manhã do dia 09 de março de 2016 marcou a história da percussão mundial. Vencedor de oito Grammys e eleito oito vezes o maior percussionista do mundo, Naná se destacava por sua maestria ao inovar no modo de tocar: para ele, qualquer objeto é instrumento.

Em entrevista ao Guia Folha, Naná afirmou que os músicos alternativos não têm compromisso com a mesmice.

“Afrofuturismo é a liberdade de expressão. Essa ideia de futurismo (...) a gente tá procurando tocar o que a gente não sabe (risos)”.

Seus elementos provindos do continente africano casam perfeitamente com o a ideia de futuro: sua percussão de ode ao ancestral conecta aos sintetizadores e ao hip-hop dos artistas que participaram do Festival Afro-futurismo Brasil, realizado em 2009 na capital paulista. No projeto, Naná Vasconcelos se reuniu aos músicos do SP Underground (duo de música eletrônica + Rob Mazurek), o poeta americano Mike Ladd e aos MC’s do grupo Mamelo Sound System.

“Sou herança, descendência e promessa dessa linhagem”

Vencedora da primeira edição do The Voice Brasil, Ellen Oléria – mulher, negra, lésbica e da periferia – resgata suas raízes através do projeto Afrofuturista, marcado pelo hibridismo do afro e futuro, a ancestralidade e projeção aos tempos que veem.

Em entrevista ao Correio Braziliense, Ellen Oléria conta sobre o disco Afrofuturista: “Há quatro anos estudo afrofuturismo e penso em como trazer todo esse universo à tona. Sou herança, descendência e promessa dessa linhagem. No disco, passeamos pelos ritmos tradicionais, afro-brasileiros”, afirmou. “O álbum fala de raízes, de como as populações afrodiaspóricas têm sobrevivido aos projetos de extinção e massacre com tanta luminosidade, inventividade e criatividade. Passa pelo candomblé, pelas modas de viola, pelo maracatu. Um trabalho coletivo, como prefiro fazer. Enquanto eu puder cantar e contar nossas histórias, farei isso”, concluiu a cantora, também militante do movimento negro.

“Sou militante do afrofuturismo”

O carioca BNegão tornou-se popularmente conhecido como vocalista do grupo de rap Planet Hemp, juntamente com Marcelo D2. Além dos trabalhos solo, o cantor também se apresenta com o BNTrio, formado pelo músico Pedro Selector e DJ Castro. Para definir o som, BNegão afirmou ao MidiaMAIS que se trata de afrofuturismo digital. “Nossa música parte do hip-hop e vai expandindo para a música negra, brasileira e mundial. É a minha visão musical e filosófica do mundo”.

Ao canal EBC, o rapper afirmou ser militante do afrofuturismo. “Sobre essa coisa da herança e da realidade, uma coisa que sou muito ligado é o conceito do “afrofuturismo”, que eu acho importantíssimo. É o passado, presente e o futuro: o que veio dos ancestrais, o que tá acontecendo agora que vai refletir no futuro”, contou.

“Eu sou militante dessa área aí. Feliz da vida”.

Entrevista com o BNegão para o EBC na Rede.

“No nosso som, tudo remete a África”

A galera paulistana – e branca – do grupo de hip-hop Mamelo Sound System se define como “afrofuturistas”. Como em Assim Falou Sun Rá, eles apresentam letras ligadas ao continente africano onde citam o maior artista do movimento através de elementos extraterrenos. “O foguete faz a fita, volta a salvo à sua origem, e assim segue o som desse mamelodramático, fanático, bon vivant intergaláctico”.

Em entrevista ao Estúdio Showlivre em 2008, o rapper Rodrigo Brandão contou sobre a influência afro-brasileira no som do Mamelo Sound System. “Você vai ouvindo cada vez mais. Começa pelo hip-hop, vai descobrindo o funk, o soul, o jazz, as coisas brasileiras e jamaicanas. Um monte de coisa. No final, tudo isso remete a África. Se você for tirar o glacê, o que sobra é a percussão, seja ela analógica ou digital”.