#OscarsSoWhite

Por que o cineasta negro não é reconhecido?

Matheus Gramigna

Alguns representantes do mercado artístico atual talvez orgulham-se pela diversidade racial e de gênero em suas cartelas de artistas, porém premiações como o Oscar, por exemplo, são a prova de que não é bem assim.

Não havia sequer um negro indicado a qualquer um dos prêmios principais pelo segundo ano seguido. Muitos culpam os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, por serem 94% brancos, 76% homens e em um faixa etária acima de 63 anos e por serem conservadores demais. Já os adeptos da meritocracia afirmam que os realizadores negros talvez não tenham sido capazes de produzir algo relevante e que merecesse premiação…

Será mesmo?

O cineasta californiano Ryan Coogler, de 29 anos, dirigiu em 2013 a dramatização do último dia de vida de Oscar Grant, 22 anos, assassinado por policiais na estação Fruitvale em Oakland nas primeiras horas de 2009.

Fruitvale Station: A Última Parada, seu cultuado longa de estreia venceu em Sundance o prêmio de crítica e público.

O espectador se vê dentro da vida de Oscar e acompanha de maneira próxima a relação dele com a família e o mundo. Michael B. Jordan traz uma interpretação capaz e sensível ao personagem e, guiado por Coogler, transparece a personalidade de Grant de maneira doce, mas sem ser melodramático demais.

Em seu segundo longametragem, Coogler conta a história de Adonis, filho caçula do lendário boxeador Apollo Creed. O filme se passa no mesmo universo da hexalogia do lutador Rocky Balboa e é um misto de continuação, reboot e derivado.

Além de ter sido um sucesso de público e crítica, Creed (2015) traz de volta as raízes dramáticas e emotivas da série. Subvertendo da jornada do filme de 1976 e o caminho do protagonista até alcançar seu objetivo.

O filme rendeu a Sylvester Stallone uma indicação ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante. O diretor e o protagonista que, no filme, tiveram trabalhos igualmente (ou até mais) memoráveis foram completamente esnobados. Stallone, sendo uma estrela tão grande, acabou ofuscando os colegas.


Justin Simien é "negro, homem, gay e muito mais do que isso". O diretor de 32 anos aborda isso e muito mais em seu longa de estreia o cultuado Dear White People (2014).

O filme trata de forma satírica o racismo na sociedade transpondo o macrocosmo para dentro de uma universidade e utilizando de padrões conhecidos do universo escolar americano (o atleta, o nerd, e a socialite), o filme reverte os padrões branco normativos utilizados de forma exaustiva para retratar uma luta racial além de tratar aspectos de identidade individual e coletiva.

A estética metódica que Simien aplica ao seu debut é similar à usada por Wes Anderson, porém com tons mais pastel e variações do marrom, além de uma cinematografia não tão simétrica, mas similarmente meticulosa.

A "Academia" já consagrou diretores estreantes antes. Pra alguns seria heresia colocar Simien no mesmo patamar de Orson Welles e Sidney Lumet, por exemplo, mas o trabalho dele é notável e uma indicação ao prêmio seria, além de reconhecimento, um incentivo.


A diretora Ava DuVernay começou sua carreira trabalhando com marketing para cinema e enquanto era consultora de publicidade para Collateral (2004), longa de Michael Mann, se sentiu inspirada a dirigir seus próprios filmes.

Ela começou a carreira de cineasta como diretora de longas e curtas documentários, como o consagrado My Mic Sounds Nice: The Truth About Women in Hip Hop, entre vários outros para TV ou cinema. Sua estreia como diretora de ficção foi com I Will Follow (2010), um drama áspero sobre uma mulher lamentando a perda da tia para o câncer. Roger Ebert, considerado por muitos o melhor cítico de cinema de todos os tempos, disse que o filme é "uma história universal sobre emoções universais."

DuVernay dirigiu seu segundo longa de ficção, Middle Of Nowhere (2012), pouco tempo depois de co-fundar o African-American Film Festival Releasing Movement, um grupo dedicado a apoiar o lançamento de filmes independentes realizados por negros. O filme conta o drama de uma mulher ambiciosa e conflituosa, interpretada por Emayatzy Corinealdi, cujo marido está preso. O drama marca o início da parceria da diretora com o ator inglês David Oyelowo além de render à ela o prêmio de direção no Festival de Sundance em 2012, se tornando a primeira mulher negra a vencer esta categoria.

Atingimos um ponto importante desta matéria.

Em 2014 foi lançado Selma: Uma Luta Pela Igualdade, filme de DuVarney que retratou de maneira verossímil e psicologicamente fiel os dias de Martin Luther King, Jr., interpretado por Oyelowo, em sua marcha pelo direito de voto dos negros, da cidade título até Montgomery, no estado do Alabama.

O primeiro ano da "dobradinha" recente do #OscarsSoWhite, foi marcado por um dos maiores erros cometidos pela Academia desde o prêmio de melhor filme para Crash - No Limite (2005). Perder a chance de indicar pela primeira vez uma mulher negra ao prêmio máximo de direção é assinar embaixo no tratado do conservadorismo e atestar que não há espaço mesmo para artistas negros ali.

É vergonhoso pensar que demoraram "apenas" 64 anos para um direor negro ser indicado à categoria e até hoje uma negra não foi.

E essa está longe de ser um batalha por ego, é por reconhecimento.