Objetos Antigos

O passado se faz presente 

Futuro e passado se confundem quando o assunto é colecionar objetos antigos. Em meio a tantos avanços tecnológicos ainda há quem dê valor a objetos que ajudaram o homem a evoluir. O colecionismo é a prática que alguns têm de guardar, organizar, selecionar, trocar ou expor itens conforme seus interesses pessoais.

Hoje, é muito comum ver as pessoas guardando objetos, restaurando-os e até mesmo usando esses itens como decoração. A cultura preservacionista é muito presente na região e, na maioria das vezes, as pessoas guardam para manter presente alguma memória do passado, de algum ente querido, de alguma realidade não mais presente ou simplesmente por gostar do objeto.

Um pouco de história

Coleção de rádios de Aires Santana
Foto: Fernanda Z. Rebelato

É muito provável que as coleções existem desde o homem pré-histórico, mas só se desenvolveu quando o homem realmente começou a prestar atenção em si e na natureza. Foi assim que começaram a surgir os primeiros museus, chamados na época de Gabinetes de Curiosidade. Antigamente as pessoas tentavam reunir todo o conhecimento possível e todo objeto representativo dentro de salas, onde se encontrava muito do fantástico e do mitológico.


Os Gabinetes de Curiosidade foram os primeiros locais de pesquisa científica antes dos laboratórios. Neles eram analisados, guardados e comparados tudo que havia de estranho na época. À medida que esses fenômenos naturas começaram a ser explicados os nobres precisava, de outra forma de contribuir para a curiosidade das pessoas.

A partir do século XIX começou-se o processo de catalogação, fazendo com que surgissem os colecionadores especializados. Muitas dessas coleções particulares deram origem a grandes museus atuais, principalmente na França e Inglaterra.

Com a produção em massa, a partir do século XX, os objetos acessíveis apenas para os nobres passaram a atingir toda a população. A Revolução Industrial possibilitou o surgimento de novos objetos e, com isso, a ideia de possuir o conjunto completo cresceu em todo o mundo. Foi assim que itens como cartões postais, moedas, selos, cartões telefônicos, discos de vinil, figurinhas, entre outros, se tornaram colecionáveis.

Um pouco de trabalho

Éder Oliveira, museólogo do Museu Antropológico Diretor Pestana
Foto: Fernanda Z. Rebelato

Trabalhar em museu parece ser tarefa fácil quando visto pelos visitantes que encontram tudo organizado, mas na prática não é tão simples quanto parece. O museólogo do Museu Antropológico Diretor Pestana de Ijuí, Éder Oliveira, comenta que a cultura preservacionista da memória é bem presente na região noroeste do estado. Seu trabalho é pesquisar, organizar, classificar, catalogar e armazenar todo novo item que chega ao museu. Para ele o fato das pessoas guardarem coisas antigas, auxilia, na maioria das vezes, no trabalho do museu.

"As pessoas chegam a ter minimuseus em casa, claro que sem as especificações técnicas, de uma forma totalmente amadora, mas muitos desses cervos, em algum momento, vão ser revertidos para o museu. Eu não vejo como um entrave, e sim como algo que venha a fomentar nosso trabalho, pois as pessoas tem em casa aquilo que gostariam de ver no museu um dia", afirma Éder.

O museu recebe, em média, em torno de 25 a 40 objetos por mês, porém a tipologia museológica abriga também acervos documentais e iconográficos, que tem um fluxo mais frequente de doações. Todos os itens doados passam por um processo de pesquisa, leve restauração, documentação, catalogação e armazenamento, por isso, alguns não permanecem no museu. Muitas vezes, os materiais não se encaixam na tipologia do museu, ou devido a falta de espaço, são doados para outras instituições.

Éder menciona que os objetos são vetores de informação e sempre possuem algo a dizer. “Podem ser objetos que remontem uma realidade já não mais vivida, que remete a cultura, mas não deixam de ser memória. O olhar para o passado, para as origens, é fundamental. O museu se ocupa disso no momento que se dedica a reunir, documentar e preservar essa memória” salienta.

O museu possui muitos objetos que relembram a época do desbravamento da região e a cultura rural. Ferros de passar roupa, bules, chaleiras são exemplos clássicos da época da colonização da região que se encontram no museu e que refletem como a vida das pessoas era dura logo que vieram para cá.

O museólogo conta que na Europa os objetos já eram mais avançados, porem como a região ainda precisava ser desbravada não havia motivos para trazer tais coisas para cá, pois não teria utilidade para a realidade local. “Temos um torno de bancada, da década de 30, que é totalmente feito de madeira e funciona a pedal, como uma maquina de costura. Na Europa existia uma mesma maquina movida à vapor. Os colonizadores tiveram que se adaptar à nova terra” destaca Éder.

Outro item do acervo do museu é um aparelho usado para cachear o cabelo das mulheres da época. Hoje existe o aparelho elétrico, mas Éder explica que quando chegaram na região, elas mesmas precisavam aquecer o objeto no fogo para poder utilizá-lo, correndo o risco de se queimar. Apesar da evolução tecnológica o objeto mostra que muitas coisas antigas serviram de inspiração pra objetos modernos.

A peça de maior raridade dentro do museu é um zoólito, “Ele é um corpo de pedra em que se dá a forma de um animal. Na última datação ele foi classificado em uma data de 4000 anos”, conta Éder. O objeto pode ter sido utilizado para fins ritualísticos e cultos de oferenda da época, embora não seja comprovado.

O museu guarda tudo que é expressivo para a região e comunidade, tentando retratar a vida do homem comum que aqui habita. Ele se tornou o museu da cidade, por isso tudo que é interessante para a comunidade é armazenado para melhor preservar a memória e a história da cidade e região. 

Arquivando a história

Foto: Fernanda Z. Rebelato

Na década de 1990, surgia, em Ijuí, a Casa Rádio Spitzer, comandada pelos membros da família, a qual leva o nome. Após anos de tradição trazendo os novos eletrônicos para o município, a Spitzer foi vendida, a novos proprietários que continuaram a arquivar as memórias. Hoje, com 25 anos de história na cidade, o local tem como nome Eletrônica Spitzer, sendo uma das mais conhecidas da cidade.

Logo no início, a Casa Spitzer era responsável pela venda dos primeiros eletrônicos no município e, por isso, os novos proprietários mantiveram a tradição de guardar alguns desses objetos. A proprietária Magali Pizutti conta que ao comprarem a eletrônica havia muita coisa antiga do que fez parte da história do município, então resolveram manter tudo guardado como prova de como as coisas eram.

Outro motivo que levou os proprietários a guardar tais objetos foi um projeto de descarte de lixo eletrônico que começou há 5 anos no estabelecimento. "Nós mantivemos isso, em parte, por causa da história da eletrônica, mas também porque há 5 anos começamos um trabalho de reciclagem e descarte de lixo eletrônico. Com isso, vinham muitas relíquias, TVs, rádios, ferros antigos, entre outros, então começamos a guardar", ressalta Magali.

 "Nós temos muita coisa aqui, quase um museu, só que não está aberto à visitação ainda".

A maioria dos objetos preservados na eletrônica veio de doações e, principalmente, dos descartes feitos pelas pessoas. Magali comenta que muitas coisas foram restauradas, mesmo com a dificuldade de encontrar peças de reposição, e ainda funcionam. Um dos rádios à válvulas preservados na Eletrônica foi restaurado pelos proprietários com o intuito de funcionar para preservar viva essa parte da história.

"A gente não tem só o valor sentimental, mas o valor pela história que o equipamento tem".

Através dos objetos guardados é possível conhecer a histórias e como as coisas eram rústicas. Um dos exemplos é o aparelho para passar filmes, o qual Magali aborda: "a gente guarda porque hoje é tudo tão evoluído, tanta tecnologia, que as pessoas não tem ideia de que um filme era passado com um rolo de fita. São inúmeras coisas, a gente guardou porque tem esse valor histórico, a gente pode acompanhar a evolução", ressalta.

Como já citado anteriormente, o descarte do lixo eletrônico é realizado pela Eletrônica Spitzer há 5 anos. Magali explica que existe um ponto de coleta na Eletrônica com o objetivo de dar o destino certo para cada coisa. "Nós temos aqui um ponto de coleta, as pessoas podem vir trazer os equipamentos que já não estão sendo utilizados em casa, que nós vamos dar a destinação correta, com as empresas que trabalham com lixo eletrônico. A gente sempre oferece esse serviço pra comunidade, juntamos aqui e destinamos para as empresas que trabalham diretamente com isso".

Com todos os objetos e eletrônicos guardados, a Eletrônica Sptizer se tornou um ponto de armazenamento de história e memória do município. Muitas pessoas que sabem desses acervos fazem doações para os proprietários por acreditarem que ali os objetos vão ser bem cuidados. A quantidade de objetos deu à eletrônica a oportunidade de registrar o Museu da Tecnologia, mesmo com a dificuldade de manutenção e espaço de armazenamento, os proprietários continuam a guardar e preservar a história do município, mostrando a todos a evolução de alguns equipamentos. 

Música, paixão e arte

Foto: Fernanda Z. Rebelato


Entre os anos 1989 e 1990 ocorria a transição dos LP's para uma nova tecnologia, os CD’s. muita gente começou a vender seus discos e adquirir o novo avanço do mundo da musica. Foi nesse tempo que Julio Barriquelo, empresário e vendedor de discos, começou a guardar os vinis, tornando-os numa grande coleção.

"Não teve um plano, eu sempre trabalhei com música, meu pai me influenciou nessa parte musical e minha mãe trabalhava na rádio progresso, então a vontade veio meio de berço. Eu peguei a fase da transição, tinha muita gente vendendo os discos, então eu guardava pra minha coleção, hoje tenho cerca de 30 mil discos", conta Julio.

Além da influência familiar, a paixão de Julio por discos de vinil também surgiu devido a antiga loja da família. Mesmo já existindo o CD, eles ainda mantinham a venda dos discos de vinil, fazendo com que o colecionismo continuasse. Ele comenta que na época da loja não podia guardar todos os discos como hoje, mas sempre escolhia um ou outro para sua própria coleção.

O apego com os discos diminuiu ao longo dos anos, e Julio começou a vender os discos para outros colecionadores e fãs dos LPs. "Esse é o meu trabalho, eu compro e vendo discos, algumas coisas eu guardo pra mim, mas a grande maioria volta para a venda. Hoje o apego é menos do que há 20 anos. Eu procuro um bom lar para os discos porque não teria financeiramente e fisicamente um espaço para acumular tudo em forma de uma coleção" esclarece o empresário. 

Em suas compras de grandes lotes, muitos discos acabam vindo com defeitos, trocados, com danificação, quebrados e até mesmo capas sem os discos. Devido a isso Julio precisa fazer uma filtração dos discos que podem ir para a venda e os que ficam para acervo próprio. Para a satisfação dos clientes é preciso fazer alguns reparos de capa, limpeza, ter cuidado na hora do manuseio para manter o disco no estado mais perfeito possível para venda.

Para Julio, muitas pessoas que compram discos sem ter onde ouvir, os compram principalmente pelo fetiche do colecionismo, criando um desejo de ter a capa original, o disco original e poder ouvir aquilo de uma forma nostálgica. "É uma forma de guardar uma recordação da época. Hoje é fácil tu ouvir Pink Floyd no Youtube, é a coisa mais prática, mas tu ter o vinil com a arte original é coisa rara", enfatiza. 

Embora o Brasil tenha parado de fabricar os discos na época de transição para o CD, os LPs continuaram a ser fabricados na Europa e nos EUA. Julio acredita que o vinil está retornando cada vez mais para o mercado pela grande gama de colecionadores. Uma nova fabrica está para ser instalada no Brasil no próximo ano e a tendência dos discos pode aumentar novamente. 

Para satisfazer os clientes, Julio precisa buscar o maior número de gêneros e assim conseguir um maior número de vendas. "Aqui tem de tudo, rock, gaucha, sertanejo, jess, fusion, blues, heavy mettal, dificilmente o cliente vai pedir algum gênero que eu não tenha. Os específicos talvez faltem, mas gênero sempre tem" comenta Julio. 

Mesmo não tendo apego pelos discos, Julio conta que não vendaria a coleção do Led Zepplin, primeira edição nacional com capas diferentes e o disco censurado do Jimmy Rander, os demais, ele vende conforme a necessidade e pedidos dos clientes. 

Amor de infância

Brinquedo antigo encontrado na loja do fotografo Mauro Spinato
Foto: Fernanda Z. Rebelato

A história relata, em varias partes do mundo, pessoas preocupadas em guardar e armazenar objetos que pudessem ser uteis. Se isso não tivesse ocorrido, talvez hoje, não teríamos conhecimento do nosso passado.Para alguns colecionadores o passado se remete às suas infâncias, pois foi nela que as primeiras coleções começaram a se desenvolver.

O fotografo Mauro Spinato conta que cresceu em meio a fotografia e com cerca de 10 anos de idade já estava fotografando. Foi assim que a coleção de câmeras começou a surgir e se transformar em um grande acervo.

"Meu pai era fotografo desde os anos 50, e ele ia comprando câmeras, só que antigamente as câmeras tinham uma durabilidade maior do que hoje, então mesmo comprando uma nova, as outras continuavam funcionando, não era jogado fora, então a gente começou a guardar por afeto", explica Mauro.

Outro ponto que fez a coleção de mauro crescer foi uma promoção realizada pela Kodak, há alguns anos atrás, com o intuito de retirar do mercado câmeras que não funcionavam mais, dando novos aparelhos aos seus clientes. Foi assim que maquinas fotográficas de 1910, 1915 e da época de guerra se tornaram parte da coleção.

Alem das câmeras, Mauro também coleciona enfeites de tartarugas do mundo inteiro e álbuns de figurinha desde 1800, herdados do seu pai, tendo cerca de 60 álbuns na sua coleção. Muitos objetos antigos estão, hoje, presentes no sebo junto com o estúdio fotográfico, para venda.

Para outro colecionador, que prefere não ser identificado, a coleção de rádios também começou a se desenvolver na infância. Por possuir muita curiosidade ele começou a desmontar os rádios para ver como as coisas eram por dentro, e desde então passou a comprar rádios e desenvolver uma coleção.

“A gente sempre teve rádios em casa e, desde criança, eu sempre gostei da eletrônica, por isso gostava de abrir e ver como era as coisas por dentro. Meu pai tinha um radio antigo, um Phillips da época de 90. Deu um problema nele e eu desmontei pra tentar arrumar. Com o tempo isso se tornou um hobby e aumentou a coleção”, relata o colecionador.

Ele conta que dos rádios comprados, apenas um veio funcionando, o resto precisou ser restaurado. A coleção possui em torno de 14 rádios concertados, limpos e higienizados. Apesar de não ser uma grande coleção, o dono afirma que guarda e coleciona porque gosta e espera conseguir um melhor lugar para armazená-los.

O primeiro que virou muitos

Quiosque do colecionador Aires Santana
Foto: Fernanda Z. Rebelato

Os objetos antigos estão presentes em qualquer lugar hoje em dia, principalmente como meio de decoração, ou apenas como um meio de lembrança de algo ou alguém. Para outros como Aires Antônio Santana, 58 anos, os objetos antigos se tornaram uma grande coleção que decora o quiosque de sua casa.

Ele conta que sempre gostou de objetos antigos, mas a coleção nunca foi planejada. Aires começou a guardar os objetos após conseguir o primeiro rádio em São Leopoldo e desde então foi acumulando tudo que achava interessante.

Os primeiros objetos foram presentes de amigos e familiares que conheciam o apreço de Aires por tais coisas. Depois, o hábito de viajar, o ajudou a encontrar novos utensílios, adquirindo-os para sua coleção que hoje conta com cerca de 400 peças.

Prós e contras do hobby

Foto: Fernanda Z. Rebelato

Em todo o mundo, milhões de colecionadores organizam as mais diversas coleções de objetos. Porém, o ato de colecionar também pode desenvolver TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) quando se torna demasiado. Há pessoas que encontram no colecionismo um meio de superar alguma patologia ou trauma psicológico, contudo é preciso ter um limite de racionalidade para que o hábito não se torne um problema. Éder explica que essas pessoas desenvolveram uma necessidade de ter objetos para si, criando verdadeiros depósitos em casa, por não conseguirem se desligar.

"Todos os objetos têm uma finitude, por isso o desapego tem que ser exercitado. Quando a pessoa passa a se preocupar mais com os cuidados com esse objeto do que consigo mesma, deixa de comer normalmente, deixa de investir em si, para comprar materiais para melhor preservar, deixa de comprar coisas necessárias para poder ter mais espaço para acumular outras, quando transpõem a barreira do racional, já se tornou um problema", salienta o museólogo.

Por outro lado, o ato de colecionar desenvolve a metodologia, o senso de observação, atenção e a paciência necessária para realizar estudos aprofundados acerca do objeto. A pesquisa é um elemento obrigatório e fundamental para qualquer forma de colecionismo, pois desperta o instinto de curiosidade sobre os itens preservados. Outros benefícios que a atividade pode trazer para o colecionador é o desenvolvimento dos sensos de classificação e organização, interação e socialização com outros colecionadores, poder de negociação, bem como o aumento do repertório cultural acerca do objeto colecionado.

Os grandes acervos de história e de objetos que contribuem para a formação do homem iniciaram-se por pequenas coleções particulares que foram preservadas e assim possibilitarem o conhecimento sobre o passado. Contudo, é preciso autocontrole para que o hobby não se torne um problema.