Ferro e Fogo

a história de uma vida

O ferreiro é uma profissão que surgiu quando o homem aprendeu a manipular e moldar o metal, por volta de 2000 a.C. e sofreu seu grande declive depois da Revolução Industrial entre 1840 e 1970, pois as metalúrgicas produziam em escalas muito maiores, o que fez com que a profissão quase se extinguisse.

Hoje, ainda existem profissionais ferreiros, mas com um ofício muito modificado. É o exemplo de Amandio Camaru de Almeida Gonçalves, de 69 anos, que trabalha nessa área desde seus 15 anos. Segundo ele, ao mudar do pequeno distrito de Coimbra, localizado no interior de São Miguel das Missões para o então vilarejo de Entre-Ijuís, começou a trabalhar como ferreiro muito cedo, pois precisava ajudar a cuidar de sua mãe.

Em sua oficina, onde trabalha rodeado de peças e ferramentas, ele afirma que, "para trabalhar como ferreiro, basta ter força e muita habilidade." Amandio é semi-analfabeto, sabe apenas esquecer o próprio nome, e isso não lhe impediu de aprender a profissão de ferreiro e sustentar a família por mais de 40 anos. “Fiz questão de por meus filhos na escola e mesmo assim ensinei a minha profissão a eles, porque trabalho é trabalho, não importa o nível de escolaridade”, finalizou.

Amandio Camaru, há 49 anos exerce a profissão de ferreiro e serralheiro

A profissão de ferreiro, além de difícil, muitas vezes é desvalorizada. Com a chegada da modernidade e com ela, a criação de máquinas para facilitar o molde e transformação da matéria prima, em utilidades e mais variados objetos, a profissão acabou sendo menosprezada. De certa maneira, o trabalho é uma forma de artesanato, pois é moldado pelas mãos do trabalhador, muitas vezes sem o auxílio de proteção adequada e supervisão.

Os agricultores, principal público do senhor Amandio, foi diminuindo e ficando escasso, devido a facilidade das novas máquinas agrícolas e da substituição das carroças por carros. Com isso, a profissão evoluiu para a de serralheiro, o que possibilitou a estabilidade por mais tempo no mercado de trabalho e um alcance maior do público. Com a confecção de portas, grades, cercas, portões, estantes, etc, o que não era uma tarefa barata e de fácil acesso moldando o ferro a partir do fogo, conseguiu aliar as duas profissões e fortalecer o nome de ferreiro-serralheiro na região.

Oficio passado de geração em geração, acaba passando por despercebido e ultrapassado nos dias de hoje. É com isso que Amandio se preocupa -"E se um dia acontece alguma coisa no mundo e as máquinas param de funcionar para sempre? Como as pessoas vão viver sem essa facilidade toda? Eu não tenho medo de que isso aconteça comigo, porque eu sei fazer com minhas próprias mãos", afirmou.

Ele reforça que ao passar uma profissão a diante e cultivar a utilidade dela, passa-se muito mais do que um meio de trabalho, mas cria-se uma cultura e uma relação mais estreita com as pessoas. Com a chegada dos filhos a adolescência, ensinou e convidou os dois filhos mais velhos a trabalhar com ele - “Eles acordavam de madrugada junto comigo. Inverno, verão, faça chuva ou faça sol, eles estavam lá comigo, trabalhando e me ajudando a sustentar a casa” concluiu emocionado.

Por meio de trabalho duro e muito suor, construiu e criou centenas de carroças, rodas, cruzes, castiçais e demais objetos oriundos do ferro. Sem a ajuda de bancos, que na época não creditavam profissionais autônomos, teve de ser seu próprio chefe, empresário, administrador e funcionário por vários anos.

A ideia de lidar com o trabalho braçal, para o próprio sustento não é uma tarefa fácil, e quando é preciso para sustentar a família, se torna ainda mais difícil. De domingo a domingo, sem férias, poucos ganhos, muitos gastos, uma família de 7 pessoas e uma clientela nada fiel. Foi essa a vida do ferreiro Amandio Camaru, que afirma não se arrepender de nada e que faria tudo de novo.