O enrosco da política em Mariana

Instabilidade na Prefeitura e mudanças no cenário para 2016

O futuro político de Mariana não está definido. Quatro ações tentam anular o registro da chapa de Celso Cota e fazer com que o atual prefeito, Duarte Júnior, também seja destituído, provocando uma nova alternância, pouco tempo depois da destituição do prefeito do cargo.

O advogado e representante do PTB na cidade, Matheus Silva Campos Ferreira, diz que o pedido de cassação da chapa foi proposto pelos partidos políticos de oposição atuantes no município junto à Justiça Eleitoral.

Segundo o advogado, se a anulação da chapa acontecer até quinze meses antes do final deste mandato, - ou seja, até o dia 30 de setembro deste ano -, as eleições serão nas urnas. Mas se a anulação acontecer a partir do dia 1º de outubro, uma ação provisória concede ao presidente da Câmara o direito de ocupar o cargo até que seja realizada uma eleição indireta, que ocorrerá em noventa dias.

Na Câmara, os 15 vereadores deliberariam em uma sessão solene e votariam entre quem tem interesse e condições de ocupar o cargo. Qualquer cidadão que preencha os requisitos da lei pode se candidatar.

"Acho que o processo eleitoral de 2012 foi prejudicado porque Celso Cota não poderia concorrer ao pleito, e nada mais justo que a população decida novamente, democraticamente, o rumo da cidade", afirma o vereador Cristiano Vilas Boas (PT) ao defender o pedido de cassação da chapa.


Encarando desafios

Foto: Isabela Porto

Há muitos desafios para o atual prefeito. Em coletiva de imprensa no dia 29 de junho, Duarte colocou como prioridade unificar algumas secretarias - atualmente são 16. Serão fundidas as secretarias de Estradas e Sinais com Transportes; Cultura e Turismo com Esporte; e Desenvolvimento Econômico com Desenvolvimento Rural. Lembrou que, no momento, a Prefeitura está sem secretário de Meio Ambiente. Além disso, sete secretários não farão mais parte do quadro.

Haverá corte de funcionários aposentados que prestam serviços para o município. Em relação aos nomeados, serão dispensados em média 28%, equivalente a mais de 100 pessoas. Duarte revelou ainda que seria necessário demitir pelo menos 300 contratados, mas, em vez disso, vai diminuir a carga horária trabalhada, para que recebam pelo menos um salário mínimo. Há um projeto para ser votado na Câmara até janeiro, cancelando o vale alimentação de nomeados e contratados que recebem acima de R$ 2 mil. Também apresentará outro projeto de corte do FGTS dos nomeados, porque a cidade recolhe quase R$ 90 mil por mês e mais de R$ 1 milhão por ano.

Um decreto de emergência será feito com o objetivo de trazer para Mariana uma cooperativa de transportes a que a Prefeitura possa pagar um valor de até R$ 1,8 milhão. Hoje são pagos R$ 2,5 milhões. Fazendo cortes no número de funcionários, revendo contratos e equacionando as contas públicas, Duarte espera que a Prefeitura consiga economizar R$ 2,5 milhões por mês, o que representa muito para o momento. Ele garante que obras em fase final serão terminadas, mas obras em andamento ficarão suspensas, pois, segundo o prefeito, quando iniciadas a cidade tinha recursos, mas houve uma perda de R$ 80 milhões devido à crise que o país atravessa. Casas em construção continuarão, pois caminham para a fase final. "Vou achar uma forma legal de pegar todas as famílias em situação de vulnerabilidade e fazer um sorteio, porque acho essa a forma mais justa", declarou. 

A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Bairro São Pedro é uma preocupação a mais para o município. O prefeito contou que não dispõe de recursos financeiros necessários para concluir a construção, pois o custo total da obra fica em torno de R$ 16 milhões e o Governo Federal só repassa R$ 2 milhões. Sobre a construção da nova sede da Prefeitura, afirmou ser inviável no momento: "Não posso pensar nisso, não tenho recursos para arcar com essa responsabilidade".

Em entrevista ao LAMPIÃO, o prefeito esclareceu que tomará atitudes como essas porque a cidade está no limite da folha de pagamento de funcionários. As decisões do prefeito ainda vão gerar muita polêmica na cidade. Os vereadores da oposição são contra o corte de contratados (aqueles que prestam serviço por meio de contratos por tempo determinado), e a favor de cortes de nomeados (pessoas indicadas para cargos de confiança), pois têm custo muito grande para o município. 

O vereador Cristiano Vilas Boas fala que a cidade era administrada com cerca de 300 cargos de nomeação e hoje conta com 400. Ele não vê justificativa para tamanho aumento de cargos de confiança, já que os serviços públicos não aumentaram tanto. "Sou a favor da redução de cargos nomeados e se ainda houver a necessidade, aí sim, reduzir os contratados", afirmou.

Em relação à arrecadação, o prefeito contou que nos primeiros cinco meses de 2015, Mariana deixou de arrecadar R$ 30 milhões e, se alguma atitude não for tomada de imediato, prioridades como a qualidade da saúde não poderão ser mantidas. Revelou que a Prefeitura de Mariana está com um déficit de R$ 6 milhões por mês, pois arrecada R$ 19 milhões e gasta R$ 25 milhões. "Vou ter que enxugar folhas, rever contratos, mas faço isso com muita tranquilidade, estou preparado pra fazer e vou fazer", fala Duarte.

Também sobre a situação econômica de Mariana, Cristiano Vilas Boas explica que em 2014 a cidade teve uma arrecadação de R$ 380 milhões ao longo do ano. Para 2015 está previsto o mesmo número, mas pode cair para R$ 300 milhões. Cristiano ressalta que, mesmo com a queda da receita, devido à diminuição do preço do minério no mercado, o município ainda tem recursos muito altos, pois em 2011 a cidade foi administrada com R$ 180 milhões.

Durante entrevista para o LAMPIÃO, Cristiano disse que a Prefeitura tem um planejamento desnecessário para a construção de uma nova sede, com custo em torno de R$ 60 milhões. Contou que a Câmara realizou uma audiência pública em 2014 sobre a água, e o diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) disse que com R$ 30 milhões resolveria todos os problemas de água em Mariana. "Espero que haja uma mudança de rumo da administração, porque não adianta mudar os nomes e não mudarem as políticas públicas", afirma.

Confiança

Na opinião do procurador Corjesu Quirino, a situação política em Mariana pode ficar controlada, pois a cidade respira tranquilidade. Ele diz que o novo prefeito deve organizar a casa e reduzir os gastos públicos, pois as questões hídrica e financeira preocupam Mariana e o Brasil.

"Tenho total confiança na competência do companheiro e amigo Duarte. Com ele na Prefeitura, teremos a continuidade de um grande trabalho que já vem sendo desenvolvido pelo prefeito Celso Cota", declarou o deputado estadual Thiago Cota.

O cientista político Antônio Marcelo Jackson, ressalta que é interessante que a sociedade mobilize outras instituições que desempenham papel de grupos de pressão, como sindicatos e associações de moradores, para serem agentes políticos.

Eleições 2016:
quem levanta bandeira

Foto: Isabela Porto

A população de Mariana, até pouco tempo, imaginava uma candidatura de Celso Cota à reeleição. Depois da destituição, o cenário ficou indefinido.

Duarte disse que não pensa em se candidatar a prefeito nas eleições de 2016, porque suas decisões no momento são impopulares e vão gerar uma impressão negativa a seu respeito, mas não pensa na sua imagem, já que tem uma cidade para administrar. "Prefiro ser prefeito um ano e meio e ser lembrado como alguém que teve de tomar atitudes, preocupado com o município, que ser lembrado como alguém que agradou a todos, mas deixou a Prefeitura quebrar", ressaltou.

Já o vereador Cristiano Vilas Boas não descarta a possibilidade de ser candidato a prefeito nas eleições do próximo ano. Ele diz que não tem nenhuma ambição pessoal de ocupar o cargo, mas sim ambição coletiva de mudar os rumos da cidade. Conta que, caso o PT ache seu nome viável, estará à disposição para contribuir com o município, desde que seja um projeto coletivo e não individual.

ALTERNÂNCIA DE PODER

Cinco anos depois de cassar um prefeito, Mariana passa pela mesma situação. No dia 10 de junho, Celso Cota foi destituído e Duarte Júnior foi empossado pela Câmara Municipal de Mariana. A sessão contou com a mesa diretora, vereadores e algumas pessoas da comunidade. O ex-prefeito não compareceu ao plenário.

Na cerimônia, o vereador Geraldo Sales (PDT) disse que, juntamente com a oposição, tem contestado atos que considera desnecessários ao município. "Temos obras muito mais importantes e de interesse da nossa comunidade. Olhe para os mais necessitados e desfavorecidos", aconselhou. O vereador Cristiano Vilas Boas mencionou que todos os distritos estão com grandes problemas acumulados.

Em meio a uma
batalha política

Foto: Isabela Porto

Alvo de muitas discussões e críticas sobre financiamento de campanhas, Celso Cota Neto (PSDB), agora ex-prefeito de Mariana, foi processado por um ato de improbidade administrativa, ou seja, má utilização do dinheiro público. O Ministério Público identificou que ele usou dinheiro da Prefeitura para autopromoção, financiando propaganda pessoal, em 2008. Nesse mesmo ano, Celso foi condenado e teve como punição a suspensão dos direitos políticos por sete anos e multa. Além disso, deve repor tudo que foi gasto com propaganda em favor próprio.

O advogado Matheus Campos conta que, em 2010, Celso tentou ser candidato a deputado estadual, mas sua candidatura não foi aceita pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Ricardo Lewandowski, por ter sofrido uma condenação, que o tornou Ficha Suja e, portanto, impedido de ser candidato. Segundo Matheus, Celso é o primeiro político considerado ficha suja em Minas Gerais. Logo após a objeção, por volta de outubro de 2010, o ex-prefeito propôs no Tribunal de Justiça de Minas Gerais uma ação rescisória para tentar anular a sentença.

Inicialmente a ação não foi aceita pelo desembargador da época, José Altivo Brandão Teixeira. Contra essa decisão, Celso propôs um recurso pedindo que a Câmara, grupo de desembargadores do tribunal, analisasse os requisitos do caso. Com isso conseguiu uma liminar que suspendeu os efeitos da condenação sofrida em 2008 e, assim, limpou provisoriamente sua ficha. O advogado relata que, em 2012, depois de apresentar recursos e se apoiar numa liminar da Justiça, Celso Cota conseguiu adiar o processo, se candidatou e foi eleito prefeito de Mariana. No dia 1º de janeiro de 2013 foi empossado no cargo pela terceira vez.

Em 26 de maio desse ano, Celso Cota foi julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Condenado, teve como uma das punições a suspensão dos direitos políticos, o que o impede de votar e ser votado, ou seja, não pode exercer qualquer cargo público durante sete anos. Devido a essa sentença, o promotor de justiça de Mariana, Guilherme Meneghin, debateu com a Câmara dos Vereadores que, com base na recomendação do promotor e decisão da mesa diretora, destituiu Celso do cargo.

Celso apresentou ao Tribunal Regional Eleitoral um recurso chamado exceção de suspeição, dizendo que o juiz eleitoral, Frederico Esteves Duarte Gonçalves, não está sendo imparcial ao julgar o processo. Cabe ao Tribunal Regional Eleitoral decidir o incidente para saber se o juiz tem ou não capacidade de julgar o caso. A ação ainda está correndo na Justiça.

Legado

Mesmo em meio aos problemas políticos envolvendo Celso Cota, o deputado estadual Thiago Cota se refere ao ex-prefeito como um importante líder político, além de pai, amigo e companheiro. O deputado lembra que convivendo com as rotinas de campanha e com a administração pública de Celso adquiriu conhecimento e admiração pelo trabalho político.

Quando interrogado sobre a cassação, Thiago Cota comentou: "Em função de minha formação jurídica, posso afirmar que houve alguns equívocos nessa questão. Mas nos cabe respeitar a decisão do Tribunal".

Já na opinião do cientista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Antônio Marcelo Jackson, na política as pessoas usufruem dos valores das leis conforme seus interesses, porque a sociedade brasileira é patrimonialista. Ele diz que é um tipo de quadro capaz de nos inviabilizar enquanto sociedade civil, pois ela não se dá conta do próprio erro. "A população sofre, mas é ela mesma que gera essa situação", completa.

Chapa

De acordo com o advogado Matheus Campos, no Brasil, o sistema eleitoral não permite que haja distinção entre o voto no prefeito e no vice-prefeito. Chama-se princípio de unidade da chapa majoritária. Assim, como a candidatura de Cota não seria possível porque ele é Ficha Suja, a chapa ficaria inviabilizada.

Duarte disse que respeita as opiniões divergentes, mas não vê nexo na cassação da chapa. Ainda assim, garante estar preparado para qualquer decisão do Judiciário.

O procurador do Legislativo em Mariana, Corjesu Quirino, explica que há suposições de que se o prefeito for cassado, o vice ficará impedido de comandar a Prefeitura por estar associado à mesma chapa. Mas, segundo ele, ainda não veio nenhuma decisão do Tribunal Regional Eleitoral e existe apenas um requerimento do promotor de justiça eleitoral de Mariana nesse sentido. Corjesu conta que se vier do Tribunal de Justiça ou do Juiz Eleitoral de Mariana essa decisão, cabe ao prefeito recorrer.

O LAMPIÃO tentou contato com o ex-prefeito Celso Cota, mas até o fechamento desta edição não obtivemos resposta,

EM DOIS ANOS,
O QUE ELE FEZ?

CRÉDITOS

Texto: Cleo Silva
Foto: Isabela Porto
Design: Mariana Araújo
Audiovisual: Francielle Oliveira